Páginas

terça-feira, 30 de novembro de 2010

<<< You don't need no weatherman to know which way the wind blows... >>>


"Kill a gook for GOD."

esta não é uma cena de filme.
é um soldado americano no Vietnã
(e crente de ter Deus de seu lado.)




"you don't count the dead
when God's on your side."
(BOB DYLAN)


e deu no que deu:









"o horror, o horror!"


kurtz (marlon brando), 
ao fim de "apocalypse now"




(...)






e estas são algumas das faces 
daqueles que não ficaram quietos
e arregaçaram mangas
para barrar o horror
que marchava:






























--- the weather underground.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

<<< Janela Indiscreta (Hitchcock, 1954) >>>



por François Truffaut


Há duas espécies de diretores: os que levam o público em consideração ao conceber e posteriormente realizar seus filmes e aqueles que não se importam com isso. Para os primeiros, o cinema é a arte do espetáculo e para os segundos, uma aventura individual. Não se trata de preferir esses ou aqueles, é simplesmente assim. Para Hitchcok e Renoir, como para quase todos os diretores americanos, aliás, um filme só dá certo quando faz sucesso, ou seja, quando atinge o público no qual se pensou desde a escolha do tema até o término da realização. Enquanto Bresson, Tati, Rossellini e Nicholas Ray fazem filmes à sua maneira e depois solicitam ao público o favor de "jogar seu jogo", Renoir, Clouzot, Hitchcock e Hawks fazem seus filmes para o público, colocando-se incessantes questões a fim de assegurarem-se do interesse dos futuros espectadores.

Alfred Hitchcock, que é um homem extraordinariamente inteligente, habituou-se desde muito cedo, desde o início de sua carreira na Inglaterra, a considerar todos os aspectos da feitura dos filmes. Dedicou a vida inteira a fazer coincidir suas predileções com as do público, enfatizando o humor em seu período inglês e enfatizando o suspense no período americano. Essa dosagem de suspense e humor fez de Hitchcock um dos cineastas mais comerciais do mundo (a renda de seus filmes é geralmente quatro vezes superior ao custo) mas é sua enorme exigência em relação a si mesmo e à sua arte que fazem igualmente dele um grande diretor.

Não é resumindo o enredo de Janela Indiscreta que se pode revelar a total novidade do empreendimento, inenarrável em sua complexidade. Preso à cadeira devido a uma perna quebrada, o repórter fotográfico Jeffrie (James Stewart) observa, através da janela, o comportamento dos vizinhos. Um belo dia, convence-se de que um deles matou a esposa irascível, desagradável e doente. A investigação que realiza, embora imobilizado pelo gesso, é, em termos, o tema do filme. Seria necessário falar também de uma prestigiosa moça (Grace Kelly) que gostaria muito de casar-se com Jeffrie...

Sei que assim resumido o roteiro deve parecer mais astucioso que profundo e, no entanto, estou convencido de que este filme é um dos mais importantes dos 17 filmados por Hitchcock em Hollywood, um dos raros, pelo menos, que não tem falha alguma, nenhuma fraqueza, nenhuma concessão. Por exemplo: é evidente que tudo no filme gira em torno da idéia de casamento. Quando Grace Kelly esgueirar-se no apartamento do suposto criminoso, a prova que fora procurar é uma aliança; Grace Kelly a enfia no dedo estendido enquanto, do outro lado do pátio, James Stewart, de binóculos, acompanha seus movimentos. Mas no fim do filme nada indica que eles se casarão e, para além do pessimismo, Janela Indiscreta é um filme cruel. Stewart, com efeito, só assesta seus binóculos sobre os vizinhos em momentos de angústia, quando eles se encontram em posições ridículas ou mesmo detestáveis.

A construção do filme é nitidamente musical, com vários temas que se imbricam e se respondem perfeitamente - os do casamento, do suicídio, da perda e da morte - banhados por um erotismo refinadíssimo (a sonorização dos beijos é extremamente precisa e realista). A impassibilidade de Hitchcock, sua "objetividade", são apenas aparentes; é no tratamento do roteiro, na direção, na condução de atores, nos detalhes e, principalmente, num tom bastante insólito participando do realismo, da poesia, do humor macabro e da pura magia que se revela uma concepção de mundo que chega às raias da misantropia. 


Janela Indiscreta é o filme da indiscrição, da intimidade violada e surpreendida em seu aspecto mais ultrajante; o filme da felicidade impossível, o filme da roupa suja lavada fora de casa, o filme da solidão moral, uma extraordinária sinfonia da rotina e dos sonhos desfeitos.

Falou-se muitas vezes em sadismo a propósito de Hitchcock.  Acho que a verdade é mais complexa e que Janela Indiscreta é o primeiro filme em que o autor se traiu a tal ponto. Para o herói de A Sombra de uma Dúvida, o mundo era um chiqueiro. Hoje acho que era o próprio Hitchcock que se expressava por trás do personagem. Não venham dizer que estou extrapolando; em Janela Indiscreta a sinceridade explode em cada plano, assim como o tom, sempre mais grave nos filmes de Hitchcock, vai diretamente ao encontro de seu interesse espetacular, logo comercial. Sim, trata-se exatamente da atitude moral de um autor que vê o mundo com a excessiva severidade de um puritano sensual.

Alfred Hitchcock adquiriu uma tal ciência da narrativa cinematográfica que em 30 anos transformou-se em muito mais que um contador de histórias. Como ama apaixonadamente seu trabalho, não pára de filmar e há muito tempo resolveu a questão da direção; ele precisa, sob pena de entediar-se ou repetir-se, inventar dificuldades suplementares, criar novas disciplinas. Daí o acúmulo, em seus filmes mais recentes, de obstáculos apaixonantes sempre brilhantemente superados.

Neste filme, o desafio foi ter filmado sempre no mesmo lugar, do ponto de vista único de James Stewart. Vemos somente o que ele vê, de onde ele vê, ao mesmo tempo que ele. O que poderia ter sido uma aposta austera e teórica, um exercício de frio virtuosismo, é na relaidade um espetáculo fascinante devido à invenção constante que nos deixa pregados em nossas cadeiras tão solidamente quanto James Stewart bloqueado pela perna engessada.


No entanto, diante de semelhante filme, tão estranho e tão novo, esquecemos um pouco esse virtuosismo atordoante; cada plano, por si só, é uma palavra vitoriosamente mantida; o esforço de renovação, de novidade, afeta tanto os movimentos da câmera, as trucagens e os cenários quanto a cor. (Ah! Os óculos dourados do assassino, iluminados na escuridão pelo clarão intermitente de um cigarro!)

Quem entendeu Janela Indiscreta perfeita e integralmente (é impossível numa única vez) pode ficar indignado e recusar-se a participar de um jogo cuja regra é a perfídia dos personagens, mas é tão raro encontrar num filme uma concepção de mundo tão precisa, que temos de curvar-nos diante do irrefutável sucesso.

Para esclarecer Janela Indiscreta, proponho a seguinte parábola: o pátio é o mundo, o repórter fotográfico é o cineasta, os binóculos representam a câmera e suas lentes. E onde fica Hitchcock em tudo isso? Ele é o homem por quem gostamos de nos saber odiados. 

 
in: TRUFFAUT, François.
Os Filmes da Minha Vida. Pg. 110-114.

sexta-feira, 5 de novembro de 2010

<<< Ainda Orangotangos, de G. Spolidoro >>>


TRI-LEGAL, TCHÊ!

Filme gaúcho, gravado em um só plano sequência, é um freak show bizarro e hilário que injeta criatividade e doidice no cinema nacional

Se você reparar bem, vai ter que concluir: no fundo ninguém é normal. E os loucos são maioria neste hospício a céu aberto que chamamos de mundo. Ainda Orangotangos, longa de estréia do gaúcho Gustavo Spolidoro, é uma frenética ode à excentricidade e à doidice humanas. Há anos o cinema brasileiro não produzia uma piração tão fina. Taí um filme que se parece com uma festa punk ou um circo de horrores, onde desfilam bizarrices e trashices das mais variadas, gerando algo que não tem paralelos na nossa filmografia fora o clássico Matou A Família e Foi Ao Cinema, do Julio Bressane.

Apesar do que possa sugerir o título, o filme não vem nem um pouco contaminado com misantropia. Ainda Orangotangos está longe soltar pelas ventas um fogo condenatório contra os vícios humanos e sociais, como tantas obras “de esquerda” que surgiram no rastro de Cronicamente Inviável. A ênfase aqui é no retrato surreal de um mundo que saiu dos trilhos, mas sem que se apontem culpados ou se sugiram soluções. Limpo de qualquer moralismo, o filme só nos pinta um quadro móvel e para lá de excêntrico de um mundo onde a sanidade humana está indo pro brejo.

Os primatas que o filme nos apresenta são impagáveis figuraças. É gente que dá porrada no Papai Noel (que é mó tarado...) no busão. Que toma porre de perfume, gargalha até quase estourar os pulmões e depois desmaia na banheira. Que ameaça explodir com granada um baile de debutantes evangélico. Que morre no vagão do trem sem que ninguém pareça notar e sem que a bandinha pare de tocar. Que vaga pelas ruas com manuscritos pornográficos “geniais” em busca de publicação. E muito mais. Uma galeria humana bizarra, e sempre piradaça.




Ainda Orangotangos monta um circo (nem tanto de horrores quanto de excentricidades) com uma atração tão forte pelo bizarro e pelo grotesco que merece o rótulo de fellinesco. Em certos momentos, vira um filme-pesadelo digno de Lynch. Em certas cenas, parece os momentos mais exaltados de chapação em John Cassavettes. Mas acaba mesmo é parecendo o filme que Emir Kusturica faria, doidão de ácido, se lhe dessem uma câmera digital, um orçamento apertado e a liberdade de perambular por uma cidade latino-americana para filmar um freak show.

A Nova Literatura Invade o Cinema

As adaptações para a telona de romances e contos de jovens talentos da literatura nacional está na moda, em especial de autores gaúchos como Clarah Averbuck (que teve sua obra filmada por Murilo Salles em Nome Próprio) e Daniel Galera (cujo romance Até O Dia Em Que O Cão Morreu virou o elogiado Cão Sem Dono, de Beto Brant). Ainda Orangotangos foi baseado na obra de Paulo Scott, outro nome forte desta cena literária efervescente. Originalmente lançado pela Livros do Mal, o livro acaba de ser reeditado pela Editora Record.

Em 81 minutos, sem nenhum corte, o filme de Spolidoro é o primeiro longa brasileiro rodado em um único plano-seqüência – tática de filmagem incomum, mas que já gerou obras célebres (como o Festim Diabólico, de Hitchcock) e cultuados (como o Arca Russa, de Sokurov). Mais de 180 pessoas, num perímetro urbano de 15km, foram mobilizadas em Porto Alegre para as filmagens. Os ensaios antes de se apertar o REC foram cuidadosos e exaustivos. Na hora do vamos-ver, foram feitos seis takes. A seqüência eleita foi a segunda, rodada no dia 08/12/2006.


Ainda Orangotangos parece apostar na tese de que a realidade é muito mais surreal do que qualquer delírio da imaginação, que uma grande cidade é bem mais lotada de bichos selvagens do que um zoológico e de que talvez a lei da evolução não seja uma verdade universal: não somos nós ainda uns gorilas irracionais e tresloucados?

Como cenário por onde vagam esses personagens, há sempre uma cidade vista através de uma perspectiva bem pessoal e idiossincrática – como são a Manhattan de Woody Allen, a Dublin de James Joyce ou a Paris de Victor Hugo. O governo estadual provavelmente não apostaria nisso, achando carolamente que o filme é quase um queima-filme da reputação primeiro-mundesca do sul brasileiro, mas Ainda Orangotangos pode ser uma ferramenta ótima para atrair turistas para o Rio Grande do Sul. Como não?! Nos festivais internacionais, certamente não vão faltar aqueles que, entusiasmados, vão ficar loucos de vontade de ir dar um rolê num canto do mundo tão lindamente endoidecido. Com uma trilha sonora e uma gangue de personagens altamente punk, Ainda Orangotangos é uma anárquica e hilária celebração do lado extremo e bizarro da vida, pintando um quadro dionisíaco de Porto Alegre como um verdadeiro lugar do caralho.