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terça-feira, 6 de abril de 2010

:: Amadeus ::

"AMADEUS"
de Milos Forman
(1984)

- por Rodrigo Gomes Lobo -


“Somos todos medíocres!”
Salieri entre loucos bradando a mesquinhez humana após frustrada tentativa de suicídio.

Trata-se de um filme, é claro.
Um processo complexo de construir histórias.
Cheio de cortes, interpretações, desvios, criações imaginadas libertas de qualquer amarra mais fixa, mais fato.

Assim como qualquer outra História ou Ciência.
Assim como tudo o que nos forma.

(não é o caso de dizer:
“Tudo é sonho. Tudo é ilusão. A verdade nos espera em algum recanto, de preferência inacessível”.
Não é o caso de invadir palco, derrubar cenários, arrancar máscaras, acender luzes para espantar sombras.
Não estamos na platéia.
A existência de cadeiras numeradas é incerta.
Todos os bilhetes podem ser truque de cambista.
Os mortos talvez não se congreguem)

Salieri tem minha simpatia.
Ele é fraco, invejoso, temente a deus e ao rei.
Ele é só uma referência apagada.
Sua música foi esquecida.

Minha maior empatia:
Salieri tem consciência de seu destino nada heróico.
Sabe da grandeza de Mozart.
Sofre com a escolha feita pelos céus de concederem o milagre à uma criança sapeca e mimada.
Salieri enxerga o futuro sem otimismos.
Sem auto-promoção.
Salieri vislumbra os limites.
Resta nele algo de profeta, de sábio, de ponderação medrosa.

Vejo Salieri e Mozart constituídos, finalizados, no passado.
É um filme, bem sei.
As coisas não se passam dessa forma.
A eternidade inteira está sendo remexida a todo o instante.
O antigo sendo fabricado sem previsão de acabamento.
Mozart foi eleito para constar como pedra fundamental.
Salieri é menos que sombra.
O pleito é refeito com constância de eras.
O mandato é escrito na areia.

Não entendo de música clássica.
Mozart já me foi apresentado como gênio.
Salieri nunca me foi apresentado.
Me emociono com a música de Mozart algumas vezes.
Em outras durmo.

A universalidade de Mozart teria dificuldades de aceitação na ilha dos tímpanos tapados.

Amanhã o mundo ensurdece.
Ou aprende a reger o invisível.
Ouço Salieri bradar novamente em ecos rememoráveis:
“Somos todos medíocres!”
Simplesmente estoura em mim uma espécie de calma.
Quando a ventania implacável faz seu intervalo
e deixa de chacoalhar as folhas
mergulhando tudo em silêncio e espera.

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