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quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

<<< Adeus Macho (Bye Bye Monkey, de Marco Ferreri, 1978) >>>


                     por Du Pitomba

Em sua obra mais alargada pelo reconhecimento crítico, “A Comilança” (1973) - uma missa desregrada, louvadora das ações prazerosas que a boca comporta - Marco Ferreri se mostrava interessado em fazer o trabalho de campo da quilometragem dos estômagos dos quatro protagonistas. Em “Adeus Macho” (1978), a quilometragem da mastigação ganha níveis estratosféricos. Toda a estruturação do filme entra no cardápio do mestre cuca Ferreri. Gérard Depardieu na primeira cena mostra sua língua que está machada de azul. Vemos o tapete vermelho do sistema digestivo. Mangia, mesmo que não te faça bene.

Eletricista solitário (Depardieu) faz bico na técnica em grupo teatral feminino de vanguarda. Começa relacionamento com uma delas e adota chimpanzé ainda filhote, que é nada mais nada menos que um rebento de King Kong, encontrado morto numa praia. A figura relapsa do personagem principal espeta ironicamente a armadura blasé dos europeus expatriados após maio de 1968. Jovens andarilhos freqüentadores das rodas de samba do hippismo em Greenwich Village. Ferreri compreendeu que logo após o levante da garotada, o amadorismo, principalmente em teatro - arte improvisada e com sementes ao vento - seria alastrado. As cenas dos ensaios, bem engraçadas, mostra toda a origem das musas inspiradas dessas trupes ditas experimentais, a impotência e o beco sem saída criativo. O rascunho fala grosso com a arte acabada.


 
De todas as vezes que um ator pôde deixar um rastro na cidadela das participações afetivas, poucas tiveram um sabor tão agridoce e autofágico quanto os pisoteados por Marcelo Mastroianni e sua estampa de galanteador anarquista com pilha já enfraquecida. Mais propenso a seduzir por teorias ideológicas que as de fundo amoroso. Sua entrada em cena já mostra todo seu desencontro com o sexo oposto. Implora, em close, por um simples beijo e recebe em troca o deboche piedoso da moça. Temos um baú de jóias, que corresponde a lição de como um artista na consciência de seu labor, está mais para o lado da imprudência, do santo desmascaramento da profissão cênica. Ele devora todo seu currículo de momentos a lá Don Juan em argamassa de película. Não tivesse em disponibilidade os registros de seu deslumbre de outrora, ficaríamos nos perguntando quem seria este velhaco rechaçado pelo mulherio.

Passa também pelo esôfago da obra o grande xodó administrativo da cosa nostra cinematográfica, a cine Cittá, a Hollywood peninsular. O museu de figuras históricas robotizadas satiriza não só o afamado estúdio italiano, como também a maneira maquinal que o cinema têm ao reproduzir épicos bíblicos. O apocalipse do arcanjo Ferreri acontece justamente neste lugar: onde o fogo humano de Nero anda de mãos cruzadas com o fogo vernacular da ira do criador. Purifica-se a legenda do homem sobre a terra, não a história do cinema.

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