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domingo, 8 de maio de 2011

<<< Monty Pyhton e o Cálice Sagrado (UK, 1975) >>>


Chacota e escárnio às toneladas é o que o Monty Python derruba sobre a mitologia do Rei Artur e os cavaleiros da Távola Redonda neste clássico do humor britânico. A burrice humana em suas mais de mil formas é retratada sem perdão.

Ninguém escapa: os reis, os nobres, os latifundiários e as autoridades eclesiásticas são todas soterradas debaixo das infames tirações de sarro de Terry Gilliam, Terry Jones e cia.

A absurdidade, mais que apenas um truque para arrancar o riso, é usada como um meio de escancarar o quão absurda era, de fato, a ideologia que motivava estes cavaleiros pomposos e posers que, em busca do Cálice Sagrado, realizam as mais ridículas e profanas das idiotices.

Retratando um período histórico remoto (a Inglaterra medieval de cerca de 930 d.C.), obviamente distorcido pelas lentes da zombaria, o filme não deixa de fazer uma crítica certeira (e necessária) a muitos dos absurdos do pensamento medieval.

A certo momento, personagens discutem a plausibilíssima teoria de que o planeta Terra seria do formato de uma banana. Dizer que é ciência "rudimentar" seria eufemismo. Tempos afundados na superstição e no obscurantismo eram aqueles. Num vilarejo, homens que mais parecem ogros prendem uma mulher e querem queimá-la como bruxa. Pedem permissão ao chefe da tribo para lançar a herege na fogueira, tendo a delicadeza de antes travesti-la com um nariz falso e um chapéu que só pode indicar que a cidadã está envolvida em abracadabras pagãos.

O sapientíssimo líder religioso então julga o caso, tentando averiguar se tratava-se mesmo de uma feiticeira, de pacto com o demônio, merecedora do fogo terreno que prenuncia os eternos incêndios infernais onde torram os danados.

Nos manuais daquele cristianismo truculento da época, um bom teste empírico para decidir se uma mulher era bruxa ou não era... tacá-la na água. Se ela afundasse, bem, estava limpa de pecado. Se não afundasse, porém... tadinha! Era sinal inequívoco e indubitável que recebia auxílio de Lúcifer para boiar. Em suma: a suspeita ou morria afogada, ou morria queimada, pois assim exigia aquele Deus que, segundo a Bíblia, havia criado Eva a partir de uma costela de Adão e depois expulsado o casal do idílico Jardim das Delícias quando a desgraçada tinha mordido o fruto proibido (tornando-se a responsável primeira por todos os males da humanidade, condenada a dar à luz em meio à dores lancinantes e, claro, receber dos bons cristãos uma boa espancada toda santa semana). O filme faz aqui uma crítica afiada ao machismo revoltante de religiões altamente misóginas como o cristianismo e o Islã (este então... leva isso a um extremo ainda mais indignante...).

O Monty Python, neste filme, também é certeiro na crítica ao velho preconceito do "direito divino dos reis". O Rei Artur, que faz pouca coisa no filme além de se foder o tempo inteiro, sendo xingado de "fazedor de cortinas" e "mijão", considera-se a última bolacha do pacote em seu delírio de grandeza mesclado com fanatismo religioso babaca. Quer impor seu poder tirânico a camponeses que vivem em comunidades praticamente comunistas com um blá-blá-blá imbecil sobre mitológicos rituais onde teria sido escolhido pelos poderes de cima para reinar com sua Excalibur sobre os homens - que obviamente lhe devem obediência e veneração.

É tudo que ele não vai receber. Pois o humor do Monty Python é extremadamente irreverente. Pois "irreverência", segundo o Aurélio, é sinônimo de "falta de reverência" ou "desacato". O que os humoristas britânicos fazem aqui, e com muita graça, é a recusa em acatar as abobrinhas que os poderosos contam. Nos ensinam a desconfiar destes loroteiros profissionais e a não cair de joelhos diante de mitologias fabricadas por nenhum outro motivo senão prostrar o povo e fazê-lo obedecer aos caprichos dos privilegiados.


Numa das cenas mais clássicas, o Rei Artur batalha contra um cavaleiro que leva sua insolência até o mais extremo. Têm seus braços cortados, mas continua chutando a bunda do reizinho. O rei, despeitado, lhe corta as pernas, mas o "toco" humano continua xingando o monarca de cagão. Artur enfim se vai, mas com os ouvidos vermelhos de tanto ouvir xingo. "Seu covarde, volta aqui", prossegue o irrevente toquinho, "que eu mordo fora tuas pernas!" Símbolo eloquente do que este filme (e este coletivo de artistas) queria fazer com os discursos ridículos dos pretensos senhores do mundo, amparados em lunáticas crenças de estarem sendo amparados pelos senhores dos céus: cobri-los todos de tomates e de ridículo, ainda que sob pena de ter uns membros amputados.

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