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segunda-feira, 12 de abril de 2010

:: Os EUA contra John Lennon ::


:: OS EUA CONTRA JOHN LENNON ::
[de David Leaf e John Scheinfield, EUA, 2006, 1h36min, doc.]


"De todos os documentários já feitos sobre John Lennon,
este é o que ele amaria" (YOKO ONO)



Musicalmente, é duro decidir qual dos ex-Beatles merece a medalha de carreira-solo mais interessante. Foi Macca, que se dedicou às baladinhas poppy e às silly love songs, eventualmente prestando tributo ao rock clássico dos anos 50 e 60? Foi John, que se transformou numa máquina de ativismo político, parindo canções angustiadas e amargas, hinos pacifistas, experimentos sonoros esquisitos? Ou foi George, que foi em busca do sentido da vida numa espiritualidade de inspiração oriental e viagens hare krishna, acabando por cometer pelo menos um clássico absoluto, o grande All Things Must Pass? (O Ringo, coitado, não conta...).

D
ifícil de julgar: que cada um escolha seu pet-beatle com as insondáveis razões do coração! Mas o que é inegável é que John Lennon, como “pessoa pública” e como “figura histórica”, foi o ex-Beatle que, após o fim da banda em 1970, causou mais estragos, levantou mais polêmica e mais marcou época em comparação com o resto dos Fab-Four, que parecem ter preferido uma vida mais discreta e menos chamativa.

O excitante, dinâmico e classudo filme inglês Os EUA contra John Lennon, um dos melhores documentários de rock que já assisti, é um detalhado retrato das atividades de John Lennon nos anos que vão dos anos de Abbey Road e Let It Be, quando o cisne beatle começou a cantar suas últimas (e lindas) canções, até meados dos anos 70. Foram anos de "agitos" abundantes e muito controversos na vida de uma das maiores figuras da arte mundial.

E vocês sabem: John Lennon nunca teve medo das blasfêmias e das heresias e adorava posar de troublemaker. Só lembrar do famoso episódio em que comentou que os Beatles eram mais famosos e significavam mais para a juventude universal do que Jesus Cristo – episódio que despertou uma onda de indignação nos puristas e fanáticos cristãos, que chegaram a organizar boicotes e fogueiras públicas dos discos do quarteto de Liverpool, degolando simbolicamente, numa espécie de Inquisição no século 20, o ousado ateuzinho desrespeitoso...

Ele não se deixou calar. Já num dos primeiros álbuns-solo, voltou a fazer capetices para atazanar os crentes, como em "God", em que redefine o conceito de "deus" num verso memorável: "God is a concept by which we measure our pain".


O filme, co-dirigido por David Leaf e John Scheinfield, descreve principalmente o progressivo engajamento de John & Oko contra a Guerra do Vietnã e a vasta gama de atividades políticas às quais o casal se dedicou no começo dos anos 70. Foram 15 anos de dura confecção para que finalmente, em 2006, o filme finalmente fosse lançado, oferecendo a todo beatlemaníaco um saboroso documento histórico sobre o mais cínico, sarcástico e rebelde dos ex-Beatles.

Já esmiucei numa matéria antiga o modo como a amargura e o ressentimento tomaram conta da música e da poética de Lennon em seus primeiros álbuns-solo – que, à parte toda a melancolia e ira que os impregnam, são sim profundamente políticos. Do hino pacifista de “Imagine” ao feroz proto-punk de “Gimme Some Truth”, passando pelas músicas “grito de guerra” “Power To The People” e “Give Peace a Chance”, a arte de John Lennon, naqueles tempos, ficou impregnada por suas atividades na arena pública e por suas batalhas ideológicas.

Parece ter sido só depois de se libertar da banda que o cara pôde se tacar de cabeça no “militantismo”, acabando por se tornar uma espécie de “rebelde político” na América que adotou como casa nos anos 70. Sim, é verdade que certas músicas dos Beatles já prenunciavam que isso poderia acontecer, “Revolution”, claro, sendo a principal delas. Neste clássico da fase final dos Beatles, Lennon já conclamava a juventude a se erguer para um levante revolucionário, se bem que seguindo os moldes pacifistas gandhianos (“but if you talk about destruction you can count me out!”).

Mas a dedicação a causas políticas só atinge seu ápice na carreira-solo de Lennon. E talvez seja tudo culpa da influência da Yoko, que sempre entendeu a arte como um instrumento para provocar, chocar e retirar as pessoas da passividade e da inércia. Tanto que ela, sempre controversa como artista plástica (e rechaçada por muitos fãs como a "elementa" alien que fez os Beatles se separem...), dizia que se sentiria fracassada como artista se metade dos frequentadores de suas “mostras” não fugissem correndo de suas exposições, horrorizados...

Mas o fato é que John & Yoko, naqueles turbulentos anos marcados pela Guerra do Vietnã e pela efervescência máxima do ideário hippie, caíram de cabeça na luta política e ideológica – usando a arte como ferramenta de protesto e acreditando convictamente que iriam ter sucesso, usando a imensa influência social que tinham junto à juventude, para tacar pedras nas engrenagens da máquina de guerra americana.


Participaram de shows-protesto e eventos beneficientes - o mais histórico deles sendo aquele que reclamava a libertação de John Sinclair, que estava na prisão por posse de dois baseados, e que foi libertado no dia seguinte à participação de Lennon no concerto em prol de sua libertação --- prova incontestável do poder político do ex-Beatle.

Diziam para todo mundo que o esquema era fazer amor, e não a guerra, tornando o slogan make love, not war uma espécie de símbolo supremo da ideologia juvenil da época. Criaram um monte de “happenings” e de protestos, muitas vezes bancando tudo do próprio bolso, sem nenhum patrocínio, como naquela ocasião emz que espalharam por uma dúzia de metrópoles mundiais os famosos cartazes e outdoors que tinham em letras garrafais os ditos WAR IS OVER, seguidos por um pequeno adendo entre parênteses: (IF YOU WANT IT).

E, claro, partiram PRO PAU contra o governo Nixon, se juntando com ativistas políticos de muita penetração, inclusive com o povo do Black Panthers, até que o nome de John Lennon fosse inscrito na lista negra do governo americano como um perigo público que precisava ser detido a qualquer preço.
É delicioso de ver o governo americano tentando – e deliciosamente em vão! - expulsar aquele inglesinho enxerido do país, usando como pretexto para o mandato de exílio qualquer bobagem que Lennon tinha em sua ficha policial.

Lennon, que tinha caído apaixonado por Nova York e não tinha a mínima vontade de abandonar a América, onde tinha feito tantos amigos e onde estava engajado em uma pá de movimentos de luta social, permaneceu firme e forte lutando nos tribunais por seu direito de permanecer nos Estados Unidos – e permanecer como um voz dissidente e rebelde, que ajudava a destoar o coro dos contentes e chamar para que se levantasse a voz dos rebeldes...

Maior exemplo disso, claro, é o famosíssimo refrão que ele criou quase sob medida para servir como um hino de guerra das massas na luta contra o massacre no Vietnã: “all we are saying is give peace a chance!”
Uma cena chave mostra Lennon numa calorosa discussão com uma jornalista do New York Times sobre a eficácia das ações de ativismo político do ex-Beatle. A jornalista, descrente e cética, desce o cacete em Lennon, dizendo que ele “se tornou ridículo” e perguntando, com um certo sarcasmo: “você acha mesmo que ajudou alguma coisa na luta contra a Guerra do Vietnã?” E Lennon, com uma empolgante convicção no seu poder, argumenta que milhares e milhares de pessoas cantavam em uníssono nos protestos contra a Guerra o seu famoso refrão.

As imagens do filme, mostrando as multidões saindo às ruas para protestar contra os descalabros sangrentos do Império Americano no Quarto Mundo, emocionam demais e provam que Lennon é que tinha razão: sempre sinto calafrios de excitação vendo essas imagens de arquivo que mostram uma imensa onda de energia humana se congregando numa só voz...
A impressão que permanece no espectador depois do fim do documentário, depois de ver aquela multidão a entoar em coro o “give a peace chance” de Lennon, é a de que a coragem e a luta infatigável de John & Oko, com absoluta certeza, deram seus frutos – e nada foi em vão. Qualquer espectador de Os EUA contra John Lennon, se perguntado, na saída do filme, se John Lennon ajudou a parar a Guerra do Vietnã, sente-se imediatamente levado a responder, sem o mínimo sinal de dúvida, e com a maior empolgação, mais fã de Lennon do que nunca: “Mas claro que sim! E muito!”

alguns saborosos screenshots:
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Alinhar à esquerda
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TRAILER:


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EM CARTAZ EM SP NAS SEGUINTES SALAS:

Cine Bombril - Sala 2
14:00 | 16:00 | 20:00 exceto terça | 22:00 exceto terça

Espaço Unibanco Pompéia - Sala 10 (Vip)
16:00 | 20:00 | 22:00

Unibanco Arteplex Frei Caneca - Sala 5
14:00 | 16:00 | 18:00 | 22:00 | 20:00 exceto quinta

2 comentários:

  1. Uma sugestão e tb um desafio, já ouviu falar no seriado "Action"(1999) de um produtor de cinema de sucesso que encontra uma outra hollywood depois que amarga um fracasso na telas e o faz ter que reconstruir a carreira? Tem muito humor negro, cinismo e sarcasmo no seriado. O foda é que dificil de achar e acho que deve ser ainda mais para achar legendas, mas acredite, o trampo vale a pena. Abraço Samuca

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  2. Hey Samuca! Valeu pela visita e pelo comment. Desconheço este "Action", mas tua sinopse me deixou curioso. O foda é que parece mesmo um "desafio" descolar isto na net: cê teria um torrent pra compartilhar com a gte? De qquer modo, valeu a dica, vou atrás com ctza! E aguarde que em breve o Dep-o-Cine trará matérias e downloads sobre seriados que admiramos por aqui: A Sete Palmos, Deadwood, In Treatment, dentre outros! Abratzz e volte sempre! Edu

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