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domingo, 27 de janeiro de 2013

"A Batalha do Chile" (de Patricio Guzmán); "A Doutrina do Choque" (de Michael Winterbottom, da obra de Naomi Klein); Ken Loach em curta sobre o 11 de Setembro...




“In order to stablish conditions for free-market,
 and in order to sustain free-market,
you need quite a lot of violence.”

("Para estabelecer condições de livre-mercado,
e com o fim de sustentar o livre-mercado,
é preciso um bom bocado de violência.") 


SLAVOJ ZIZEK
On Violence


O neoliberalismo, antes de ser implantado nos países capitalistas avançados, capitaneado  por Tatcher no Reino Unido, Reagan nos EUA e Deng Xiaoping na China - como exposto em minúcia no livro Neoliberalismo de David Harvey (2008) - utilizou o Chile como seu “laboratório” experimental. Salvador Allende, desde sua eleição à presidência em 1970, havia realizado transformações amplas na sociedade chilena, pavimentando o caminho para uma sociedade socialista. Suas ações iam na direção oposta ao que recomendam os cânones neoliberais: ao invés de privatizações e desregulamentações favoráveis ao livre-mercado, o governo Allende trabalhou em prol da nacionalização de empresas, minas e terras: Allende expropriou, por exemplo, 15 milhões de hectares de terras que estavam concentradas nas mãos de latifundiários e as redistribuiu [vide nota 01, no fim do texto]. Estatizou todos os bancos e retornou o controle de quase todas as fábricas ao comando dos próprios operários.

Como os cubanos, acossados pelo bloqueio yankee desde o triunfo dos revolucionários de Sierra Maestra, os chilenos também sentiram na garganta as garras do Império. Allende defendeu com punho-de-ferro a autonomia do Chile diante dos exploradores estrangeiros, em especial os EUA, que viam com muita desconfiança estas “iniciativas marxistas” que tanto se assemelhavam a muitas instauradas em Cuba após a Revolução de 1959. Os militares, o partido Democrata-Cristão e os yankees fizeram tudo para boicotar e desestabilizar o regime de Allende, que resistiu por mais de 3 anos, respaldado por um apoio popular intenso e imenso: com frequência massas que superavam 100 mil pessoas tomavam as ruas bradando a uma só voz... “Allende, Allende, el pueblo te defiende!” ou “Allende, tranquilo, o povo está contigo!”

Salvador Allende & Fidel Castro

Allende junto do poeta chileno Pablo Neruda

O Chile havia vivido 41 anos de regime democrático quando, no fatídico 11 de Setembro de 1973, o presidente democraticamente eleito Allende é assassinado, o palácio de La Moneda em Santiago é bombardeado e um golpe militar instaura a ditadura Pinochet. Como nos lembra Naomi Klein, foi determinante neste evento histórico a ação nos bastidores de Milton Friedman, “considerado o economista mais influente do último meio século” (KLEIN: 2007, p. 15), um dos papas da doutrina neoliberal:
"Milton Friedman aprendeu a explorar os choques e as crises de grande porte em meados da década de 1970, quando atuou como conselheiro do ditador chileno, o general Augusto Pinochet. Enquanto os chilenos se encontravam em estado de choque logo após o violento golpe de Estado, o país sofria o trauma de uma severa hiperinflação. Friedman aconselhou Pinochet a impor uma reforma econômica bastante rápida – corte de impostos, livre-comércio, serviços privatizados, corte nos gastos sociais e desregulamentação. (…) Ficou conhecida como 'a revolução da Escola de Chicago', pelo fato de que muitos economistas de Pinochet tinham estudado sob a orientação de Friedman na Universidade de Chicago. (…) Desde então, sempre que os governos decidem impor programas radicais de livre mercado, o tratamento de choque [the shock doctrine] tem sido o seu método preferido." (KLEIN, A Doutrina do Choque, p. 17)
Milton Friedman, Prêmio Nobel de Economia, apologista da privatização, desregulação e aniquilação de sindicatos, teve participação ativa no golpe militar de 1973, como revelado por Naomi Klein em A Doutrina do Choque

Quanto mais detalhes são revelados sobre a História das ditaduras militares na América Latina, mais evidente e inegável se torna o quão ampla foi a participação dos EUA, em aliança com as elites oligárquicas nacionais, na instauração de regimes autoritários e fascistas que serviam aos interesses comerciais e financeiros da “metrópole”. No Chile, como documenta a obra de Guzmán, as Forças Armadas receberam um auxílio de 45 milhões de dólares do Pentágono, o que equivale a mais de um 1/3 de todo o capital “emprestado” pelos EUA desde a subida ao poder de Allende. Além disso, mais de 4 mil oficiais do Exército chileno foram treinados pelos Estados Unidos e este mantia mais de 40 agentes da CIA infiltrados no movimento de oposição à Allende.
           
Tal experiência de neo-liberalismo, imposto por um golpe militar dos mais brutais e violentos já perpetrados no continente, foi altamente traumática para o povo chileno e prossegue sendo uma das veias abertas da América Latina (para remeter ao clássico estudo de Eduardo Galeano). O Chile ainda se recupera da terapia de choque que lhe foi infligida por 17 anos pela ditadura Pinochet, que governou “tocando o terror” na população através das
"celas de tortura do regime, infligindo choques aos corpos retorcidos daqueles que foram considerados obstáculos à transformação capitalista. Na América Latina, muitos enxergaram uma conexão entre os choques econômicos que empobreceram milhões e a epidemia de tortura que flagelou centenas de milhares de pessoas que acreditavam num tipo diferente de sociedade". (KLEIN: 2007, p. 17).

Apoiado e financiado pela CIA e guiado pelas doutrinas econômicas de Friedman, Hayek e o resto da Escola de Chicago, a ditadura militar de Pinochet criaria campos de concentração para opositores ao regime[2], torturaria e assassinaria a torto e a direito, desencadearia encarceramentos em massa (100.000 pessoas são presas em 3 anos...), em “expurgos” e massacres destinados a varrer a esquerda do mapa.

Por 17 anos este regime responsável pelos crimes mais hediondos reinaria sobre o Chile. No entanto, longe de ser uma exceção, a situação do Chile em 1973 carrega muitas semelhanças com outras ocorrências em outros países latino-americanos, como o Brasil (o governo João Goulart é derrubado pelo golpe militar de 1964), e a Argentina, que também é sublevada por um coup d'état em 1976:
“Algumas das violações mais infames dos direitos humanos de nossa era, que tenderam a ser encaradas como atos sádicos perpetrados por regimes antidemocrátcios, foram cometidas com a intenção clara de aterrorizar o público, ou ativamente empregadas a fim de preparar o terreno para a introdução das 'reformas' radicais de livre mercado. Na Argentina da década de 70, o 'desaparecimento' de 30 mil pessoas sob o governo da junta militar, muitas delas ativistas de esquerda, fez parte da imposição ao país das políticas da Escola de Chicago.” (KLEIN: 2007, p. 19)

O neoliberalismo chega ao Chile sem ser convidado, arrombando a porta e instaurando o sistema de livre-mercado sem consulta à população. Rasga-se a democracia: é o fim de uma era onde o povo estava acostumado a ter sua voz ouvida, sua opinião respeitada, sua vontade concretizada, como era tão comum e constante no governo Allende, quando ocorriam “plebiscitos” frequentes. O golpe militar que instala no poder a ditadura Pinochet semeia o assassinato e a tortura ao seu redor, mantendo o povo aterrorizado com a violência: como diz Eduardo Galeano: “como essa desigualdade pode ser mantida, senão por descargas de choque elétrico?” (GALEANO: Dias e noites de amor e guerra. Porto Alegre: L&PM, 2005)

O que se escancara sobre o neo-liberalismo quando visto através de uma perspectiva latino-americana, pois, é o quão “gringo” ele é – e chilenos e cubanos o sabem melhor que ninguém.  Mas também o sabem, visceralmente, os venezuelanos que elegeram Chávez e os bolivianos que puderam pela primeira vez ser representados por um presidente de origem indígena, Evo Morales - dentre outros povos do continente que prosseguem aguerridos em sua oposição aos ditames imperialistas (vide South of the Border, de Oliver Stone).

Na Bolívia: protestos contra a privatização da água

O exemplo da Bolívia também é eloquente: em 1992, por ocasião dos 500 anos do início da Conquista da América, iria acontecer em La Paz uma “suntuosa festa de aniversário” organizada pelas autoridades branquelas. Emergindo dos indígenas, que constituem mais de metade da população do país, nasceu um protesto colossal: “várias centenas de milhares de aimarás, quíchuas, moxos e guaranís (…) vaiaram Cristóvão Colombo, derrubaram as tribunas de honra e ocuparam a capital durante quatro dias” (ZIEGLER: 2011, p. 207).

Mais de uma década depois, em 2003, o presidente Lozada, um milionário que passou boa parte de sua vida em Miami, depois de ter privatizado tudo o que tinha direito, chegou ao cúmulo de pôr em marcha a privatização da água potável. Empresas multinacionais européias como a Suez e a International Water Limited ganharam, a preço de babana, as concessões. Em sequência, “aumentaram massivamente o preço da água potável e centenas de milhares de famílias viram-se na impossibilidade de pagar a conta. Elas tiveram que se abastecer nos riachos poluídos, nos poços envenenados pelo arsênico. As mortes infantis pela 'diarreia sangrenta' aumentaram potencialmente. Manifestações públicas começaram a explodir.” (ZIEGLER: Ódio ao Ocidente, 2011, p. 208)

Confrontos com a polícia deixam dezenas de mortos, centenas de feridos. “Mas os bolivianos não se dobraram. O movimento se espalhou por todo o país. No dia 17 de outubro de 2003, cercados no palácio Quemado por uma multidão enfurecida de mais de 200 mil manifestantes, o presidente Lozada e seus comparsas mais próximos decidiram fugir do país. Destino: Miami.” (idem). Não surpreende, pois, que a Bolívia tenha se insurgido contra os políticos que são chamados de “Vende-pátria” ao elegerem Evo Morales em 2006.

A cruz em que muitos países ditos “subdesenvolvidos” estão pregados, desde que lhes foi imposto o regime neoliberal, chama-se “dívida externa” - e seus credores, instituições como o FMI e o Banco Mundial, não passam de representantes dos poderes colossais das mega-empresas e dos grandes acionistas das potências ocidentais. A Argentina sob o governo Menem, que sofreu uma das piores quebradeiras econômicas de sua história, como tão bem escancarado por Memoria Del Saqueo, documentário de Fernando Solanas, é um exemplo do que ocorre a países que acatam ordens para neo-liberalizar sua economia. A Islândia e a Grécia são outros. Provas dramáticas desta soma de corrupção política e ganância corporativa que tanto lucro retira do rastro de autoritarismo que seu sapato deixa sobre tudo aquilo que pisoteia.

Longe de fazer dueto harmônico com a democracia, pois, o neoliberalismo não raro soa como uma voz autoritária que destoa do coro legitimamente democrático que alguns povos intentam cantar. O Chile de 1973, o Iraque após a Invasão dos EUA em 2004 e New Orleans após o Furacão Katrina são, na opinião de Naomi Klein, demonstrações históricas da maneira como por vezes o neoliberalismo é imposto “por meio dos mecanismos coercitivos mais descarados: sob ocupação militar estrangeira depois da invasão, ou imediatamente após a ocorrência de um cataclismo natural devastador.” (KLEIN: p. 19)



(1) Os dados provêm da série de três documentários A Batalha do Chile, de Patricio Gúzman.
(2) O encarceramento, tortura e “desaparecimento” sistemáticos de opositores do regime recebeu registro cinematográfico eloquente em filmes como Dawson – A Ilha de Pinochet, Rua Santa Fé e Nostalgia Pela Luz.


SIGA VIAGEM...



Curta-metragem de KEN LOACH sobre o 11 de Setembro chileno:


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A BATALHA DO CHILE
3 Documentários Completos de PATRICIO GÚZMAN... CLÁSSICOS!
Todos legendados em português.

I. A INSURREIÇÃO DA BURGUESIA



II. O GOLPE DE ESTADO


III. O PODER POPULAR


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A DOUTRINA DO CHOQUE
Documentário de Michael Winterbottom
Baseado na obra de Naomi Klein
Completo e legendado


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