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terça-feira, 5 de janeiro de 2010

:: drowns in the total indifference of nature ::



Como tiragosto de um filmaço, Depredando o Cinema disponibiliza alguns momentos memoráveis de Marat/Sade, filme de Peter Brooks baseado na peça de Peter Weiss -- obra que é um dos pontos altos do cinema de vanguarda dos anos 1960. Tudo nele se passa num hospício, onde os louquinhos encenam, detrás de grades, uma peça radicalmente provocativa que soa como uma união entre os climões dum Artaud e dum Brecht. A trama se passa um pouco depois da Revolução Francesa de 1789, onde estas duas imponentes e polêmicas figuras francesas, que cantam a Marselhesa fora de tom, discutem intrincadas questões filósoficas, religiosas e políticas: o Marquês de Sade e Marat. Um primor!

O filme todo está disponível no YouTube em várias partes (uma delas vai na sequência...) e pode ser baixado em torrent nos links que descolamos abaixo. Transcrevi abaixo um trecho dum diálogo que dá muito pano pra manga filosófica. Nele Sade filosofa sobre a morte que, diz ele, ao retornar todo ser a seus elementos constitutivos primordiais, é o motor da mudança e da renovação. Ao mesmo tempo, frisa que para a Natureza indiferente nenhuma morte específica faz qualquer diferença -- e ele, homem senciente em meio à insensibilidade do mundo natural, odeia esta "face de iceberg que consegue suportar tudo" e que não derramaria uma lágrima se a raça humana inteira fosse extinta.

Disso ele tira as duvidosas conclusões de que a Natureza, sendo cruel e impiedosa, exibindo-nos diariamente o espetáculo grotesco da cadeia alimentar e da putrefação, traz a crueldade impressa em si mesma, donde não há nada de "inatural" na crueldade humana. Em contraponto, Marat sustenta o valor do engajamento, da luta humana por intervir e melhorar esta realidade, do esforço por inventar um sentido em meio ao silêncio desumano dos elementos. Mais à frente, faz uma severa e cáustica crítica aos efeitos da religião sobre a alma popular. Confiram!


Uma cena:

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Um diálogo transcrito:


SADE: “Men has given a false importance to death. Every animal, plant ou man that dies adds to nature's compost, becomes the manure without which nothing could be created. Death is simply part of the process. Every death, even the cruellest death, drowns in the total indifference of nature. Nature would watch, unmoved, if we destroyed the entire human race. I hate nature, this passionless spectator, this unbreakable iceberg-face that can bear everything. (...) But tough I hate this godess, I see that the greatest acts of history have followed her laws. Nature teaches a man to fight for his own happiness; and if he must kill to gain that happiness, why then isn't the murder natural? Haven't we always crushed those weaker than ourselves? Haven't we thrown in the throats of the powerful with continuous villany and lust? Haven't we experimented in our laboratories before applying the final solution? Men is a destroyer.”

MARAT: “What you call the indifference of nature is your own lack of compassion. If I am extreme, I'm not extreme in the same way as you. Against nature's silence, I use action. In the vast indifference, I invent a meaning. I don't watch unmoved, I intervene! And I say that this and this are wrong. And I work to alter them, and improve them! The important thing is put yourself up by your own hair and to see the world with fresh eyes.”

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Um discurso anti-eclesiástico foda:

MARAT: “...and the children repeated the lesson. Suffer, as He suffered on the cross, cause that's it's the will of God. And everyone believes what they hear over and over again. So the poor, instead of bread, they do with the picture of the bleeding, scurged and nailed-up Christ, and pray to that image of their helplessness. And the priest said: 'Raise your hands to heaven! Bend your knees! Bear your suffering without complaint! Pray for those who torture you! For prayer and blessing are the only ladder which you climb to paradise!' And so they chained down the poor in their ignorance, so that they couldn't stand up and fight their bosses, who ruled in the name of the lie of Divine Right!”

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