Ser criança no Oriente Médio não é mole. Crescer entre homens-bomba, tanques-de-guerra, ônibus que explodem, pedágios repletos de soldados armados... que infância é possível em circunstâncias assim? Que adultos sairão de uma atmosfera tão infestada de idolatria ao martírio, onde os heróis são aqueles que morreram na Intifada ou foram destroçados por um ataque terrorista?...
Nos entornos da Cidade Sagrada de Jerusalém, onde o sangue não pára de alimentar o solo sobre o qual caminharam e pregaram tantos profetas, a infância acaba cedo, certamente - e tanto no sentido literal quanto no metafórico. Muitos vão ao túmulo pouco depois de terem saído do berço: tiveram o azar de nascer em meio a fanáticos religiosos que se digladiam em jogos mortais. Os que sobrevivem, são obrigados a amadurecer cedo demais, frequentemente de forma traumática, tendo parentes assassinados ou amigos encarcerados...
Nos entornos da Cidade Sagrada de Jerusalém, onde o sangue não pára de alimentar o solo sobre o qual caminharam e pregaram tantos profetas, a infância acaba cedo, certamente - e tanto no sentido literal quanto no metafórico. Muitos vão ao túmulo pouco depois de terem saído do berço: tiveram o azar de nascer em meio a fanáticos religiosos que se digladiam em jogos mortais. Os que sobrevivem, são obrigados a amadurecer cedo demais, frequentemente de forma traumática, tendo parentes assassinados ou amigos encarcerados...
A rotina é repleta de olhares hostis, check-points sinistros, temor de explosões súbitas, estigmatizações do diferente, muralhas e arames-farpados que impedem que se forme uma ciranda de crianças de várias cores e origens. Nada de moleza, de vida lúdica, de coloridices! A criançada é chamada para pegar em armas mal abandonou a chupeta. A doutrinação política e religiosa transforma-os em dogmáticos sectários bem cedo. Inculca-se uma noção de identidade construída sobre a raivosa exclusão de um Outro odiado: a educação baseia-se no implante de preconceitos que mandam odiar o Outro - que crê num Deus diferente do nosso. Ao invés dos livros escolares, seguram a Torá ou o Corão em uma mão, e com a mão que sobra seguram a metralhadora ou o estilingue. E, cada um julgando que tem Deus do seu lado, começam a se ofender, se maltratar, se matar...
Tarkovsky, Klimov e René Clément são alguns dos cineastas que já criaram obras de arte memoráveis a partir do tema da Infância-Destroçada-Pela-Guerra. O clássico longa-metragem de estréia de Andrei Tarkovsky, A Infância de Ivan (1962), mostra-nos uma criança toda enlameada nas sujeiras bélicas numa idade em que deveria estar aprendendo o abecedário e a tabuada. Circulando pelos campos-de-batalha, já empedernido pelas experiências duríssimas que foi obrigado a encarar, dá ordens aos outros com o autoritarismo e a pomposidade de um general de exército. Sua vida foi condenada pelas circunstâncias históricas a ser breve, repleta de horrores, com fim bruto. Também o pequeno torturado de Vá e Veja (1985), grotesco relato do Massacre Nazista na Bielo-Rússia (mais de 600 vilarejos foram incendiados e dizimados com todos os seus habitantes...), suporta em seus tenros anos mais dores do que muitos vivem numa vida inteira. Numa clássica cena, ao fim do impactante e perturbador filme de Klimov, o garotinho criva de balas o retrato de Hitler com uma fúria tamanha que não se imaginaria possível de ser abrigada num coração tão jovem. Já em Jeux Inderdits (1952), as crianças não brincam de bola ou de boneca: os ossos e os crânios dos mortos no cemitério, no filme de Clement, é que tornam-se os instrumentos de uma sinistra brincadeira. Pois a guerra dos adultos sempre invade a vida das crianças. Não há guerra onde só morram soldados. E pior: há guerras em que os adultos têm a idéia de aliciar soldados mirins, devidamente lobotomizados no sentido da intolerância sectária.
Promessas de um Novo Mundo (de Justine Arlin, Carlos Bolado e B.Z. Goldberg), um dos melhores documentários sobre o infindável conflito Israel x Palestina, retrata a guerra pela perspectiva das crianças que vivem no centro do turbilhão. Ao invés de retratar com distanciamento, o filme prefere intervir ativamente na realidade: deseja criar laços de afeto entre crianças que foram ensinadas por seus pais que deveriam se odiar. Afinal de contas, não há crianças judias nem crianças muçulmanas, mas meramente crianças, vítimas de uma doutrinação social que lhes transformou em sectárias e preconceituosas. Mas talvez - é esta a utópica aposta do filme! - este processo seja reversível. Talvez um vínculo amigo possa ser estabelecido entre estas crianças que cresceram num mundo que os adultos encheram de arame-farpado, muros de penitenciária e soldados armados nas fronteiras...
A Terra vista do espaço não tem fronteiras: estas não passam de construções humanas, cercas (reais ou psíquicas) que nós construímos para nos separarmos em raças e credos, lá de dentro berrando pra fora: sou do povo eleito, tenho Deus do meu lado, mantenha-se à distância ou te corto a garganta! Que mania têm o ser humano de querer exercer seu poder sobre outros utilizando para isso não só as armas de pólvora e a dinamite, mas as armas mitológicas e as crenças! Quanto arame-farpado as religiões não trazem a este planeta, dividindo homens em seitas e transformando vizinhos em homicidas em guerra!
O Hamas pixa os muros dos territórios palestinos com "lições de vida" como "a sede do solo será saciada com sangue", convidando ao martírio os homens-bomba do futuro... Árabes radicalmente anti-semitas querem um segundo Holocausto e odeiam os judeus e seu Deus a ponto de desejá-los extintos. Enquanto isso, Israel recrudesce contra os seguidores de Alá e Maomé, querendo ter Jerusalém só pra si, feito uma criançona incapaz de dividir o brinquedo. Grotesco! Os fanáticos religiosos só parecem adultos: na verdade não passam de criançonas em trajes militares, birrentas e cheias de violência...
"Quem está certo no combate Israel e Palestina?" A pergunta tão difícil de responder me parece ser tão cabeluda de solucionar justamente pois... nenhum dos lados está certo. Se há alguém a culpar, me parece, não é uma nação ou um povo em particular, mas uma praga maior que os povos e as nações, que se esparrama feito uma contaminação por muitas diferentes latitudes: o fanatismo religioso. Culpar nacionalidades é uma estreiteza que precisamos superar pois nos encerra na cela tão desconfortável e perigosa do nacionalismo e da xenofobia...
Mal chegam a este mundo, os cérebros das crianças recebem por imposição de autoridades parentais e pastorais uma dogmática religiosa que mata no nascedouro a semente do pensamento autônomo. Ao invés do respeito pela arte, pela ciência, pela verdade, ensinam a molecada a obedecer cegamente a argumentos de autoridade. Ao invés de incentivá-las a buscar o conhecimento na mais variada gama de fontes, devorando bibliotecas dos mais variados assuntos, dizem a elas que só devem levar a sério os chamados Livros Sagrados: todas as respostas estão ali, basta decorá-las e depois papagueá-las por aí... E o mais curioso: estes que são chamados de Livros Sagrados serviram como pretexto para uma quantidade de massacres, de morticínios, de jihads, de atos de terrorismo, de tortura e de censura que um 1 milhão de "livros profanos" não é capaz de igualar!
Pode-se acreditar que uma divindade lá em cima nos julga, que um olho no céu testemunha nossos atos, aplaude nossos atos heróicos, franze o cenho quando fazemos merda e promete para o Natal da Morte a resposta quanto à nossa aprovação ou reprova no Exame de Entrada para a Grande Festa da Eternidade... Mas há perigo em acreditar-se julgado pelos céus e não pelos homens. Há perigo em imaginar recompensas celestiais por atos sanguinolentos. Pode-se dizer: "não ligo para o que pensem os homens, Deus mandou-me ser kamikaze, Deus ordenou que eu sequestrasse um avião, explodisse um prédio cheio de civis, pusesse pelos ares com bananas de dinamite coladas ao meu tórax um ônibus cheio de cidadãos que não crêem no Deus em que creio!"
Ouço falar muito sobre pacifismo, muita pregação sobre a necessidade de Paz. Admiro a idéia de resistência pacífica de Gandhi e Tolstói. Mas sinto que muitos desses arautos do pacifismo pegam leve demais quando a questão é analisar o quanto as crenças religiosas estão envolvidas nas guerras e violências da História e do presente. Por isso acho tão seminal e bela a mensagem de Lennon: o pacifismo do Beatle está intimamente conectado ao "imagine no religion"! Concordo plenamente com John: paz e ateísmo são consubstanciais. Como superar a guerra sem superar a divisão sectária da humanidade entre diferentes crenças mutuamente excludentes que não conseguem tolerar umas às outras? Como chegar à "brotherhood of man", o sonho utópico de uma fraternidade humana cantada em "Imagine", sem a superação do Império da Fé e da Superstição? Faith no more! A fé já teve 2 milênios de império e o resultado de seus trabalhos não é lá muito animador: it's an ocean of violence! A isso há de se contrapor o ateísmo, a lucidez, o bom-senso, o diálogo, a solidariedade na busca pela justiça e pela verdade.
Decerto que dizer que a solução para o problema é converter todo mundo ao ateísmo não parece lá uma solução muito... pragmática. Como realizar uma tarefa gigantesca deste tipo? Quem serão os ateus corajosos o suficiente para pôr em prática e conquistar resultados consideráveis? É bem verdade que Daniel Dennett, Christopher Hitchens, Richard Dawkins, Michel Onfray, dentre outros, estão comprando esta briga. Mas talvez subestimemos a fé e seu poder de enganchar personalidades pensando que é plausível uma des-conversão em massa das massas do planeta. "A religião é uma reação defensiva da Natureza contra a inteligência", diz Bergson. Será a inteligência forte o bastante para vencer esta força defensiva dos religiosos? Ou haverão os homens-de-fé de impor pelo fogo, como fizeram tantas vezes na História, um mundo de fábulas sectárias ao invés de um mundo, como queremos nós, guiado pela busca universal pela verdade?
Uma das atitudes mais louváveis que o documentário Promessas de Um Novo Mundo nos mostra é aquela do judeu polonês que fugiu para Israel pois julgava que ali estaria protegido de holocaustos, mas que responde à questão dos gêmeos - "você acredita em Deus ou não?" - com uma idéia que não deve ser incomum entre os sobreviventes dos campos de concentração: "Não acho possível que Deus pudesse ter ficado a assistir aquilo sem fazer nada". Ao mesmo tempo que garante aos pequenos que não quer doutriná-los: "vocês devem tirar suas próprias conclusões". Coisa rara: pois a maioria das crianças é doutrinada desde o berço. Enfiam-lhes no cérebro um monte de dogmas e exigem, palmatórias em riste, ameaças de Inferno na boca, que decorem e propaguem. O resultado? Crianças que são capazes, por exemplo, de manifestar o anti-semitismo mais homicida - como o garoto muçulmano que idolatra a atitude do Hamas e do Hezbollah e que julga que a melhor solução é exterminar os judeus...
“Pode um antropólogo fornecer o índice craniano de um povo cujo costume é deformar a cabeça das crianças enrolando-as com ataduras desde os primeiros anos? Pense no deprimente contraste entre a inteligência radiante de uma criança sadia e os débeis poderes intelectuais do adulto médio. Não podemos estar inteiramente certos de que é exatamente a educação religiosa que tem grande parte da culpa por essa relativa atrofia? Penso que seria necessário muito tempo para que uma criança, que não fosse influenciada, começasse a se preocupar com Deus e com as coisas do outro mundo. Talvez seus pensamentos sobre esses assuntos tomassem então os mesmos caminhos que os de seus antepassados. Mas não esperamos por um desenvolvimento desse tipo; introduzimo-la às doutrinas da religião numa idade em que nem está interessada nelas nem é capaz de apreender sua significação. Não é verdade que os dois principais pontos do programa de educação infantil atualmente consistem no retardamento do desenvolvimento sexual e na influência religiosa prematura? Dessa maneira, à época em que o intelecto da criança desperta, as doutrinas da religião já se tornaram inexpugnáveis. Mas acha você que é algo conducente ao fortalecimento da função intelectual o fato de um campo tão importante lhe ser fechado pela ameaça do fogo do Inferno? Quando outrora um homem se permitia aceitar sem crítica todos os absurdos que as doutrinas religiosas punham à sua frente, e até mesmo desprezar as contradições existentes entre elas, não precisamos ficar muito surpresos com a debilidade de seu intelecto. Não dispomos, porém, de outros meios de controlar nossa natureza instintual, exceto nossa inteligência. Como podemos esperar que pessoas que estão sob domínio de proibições de pensamento atinjam o ideal psicológico, o primado da inteligência?” (SIGMUND FREUD. O Futuro de Uma Ilusão. P. 121)
Freud diagnosticou na religião uma "neurose de massa" que acomete boa parte da humanidade e explicou sua força a partir dos desejos humanos nos quais a religião têm sua fonte. As representações frequentemente alucinatórias e delirantes da fé são criações da fantasia humana para suprir imaginariamente algumas de nossas mais prementes necessidades psíquicas: a religião é um conjunto de fábulas consoladoras que servem para remediar nossa sensação de impotência diante das forças naturais, para nos dar o conforto de um Pai substituto que vela por nós, para nos libertar da angústia trazida pela constatação, pela inteligência, da inevitabilidade da morte. Provêm de nossa fragilidade, nossa angústia, nossa sensação de mortalidade, nossa nostalgia da infância e sua irresponsabilidade... É uma neurose, um infantilismo, um obstáculo ao pleno desenvolvimento da inteligência. E, por incrível que pareça, tratamos as crianças que vêm ao mundo sem o mínimo respeito pelos potenciais criadores de suas mentes quando as entulhamos com dogmas destinados a ressecar o intelecto com os venenos da culpa, do medo e da obediência cega.
Por uma educação atéia, secular, cosmopolita e pluralista! Mantenham vossos rosários e cruzes, vossas Torás e Corões, vossa santa Lavagem Cerebral e Doutrinação Amesquinhante, longe dos cérebros do futuro!
Freud diagnosticou na religião uma "neurose de massa" que acomete boa parte da humanidade e explicou sua força a partir dos desejos humanos nos quais a religião têm sua fonte. As representações frequentemente alucinatórias e delirantes da fé são criações da fantasia humana para suprir imaginariamente algumas de nossas mais prementes necessidades psíquicas: a religião é um conjunto de fábulas consoladoras que servem para remediar nossa sensação de impotência diante das forças naturais, para nos dar o conforto de um Pai substituto que vela por nós, para nos libertar da angústia trazida pela constatação, pela inteligência, da inevitabilidade da morte. Provêm de nossa fragilidade, nossa angústia, nossa sensação de mortalidade, nossa nostalgia da infância e sua irresponsabilidade... É uma neurose, um infantilismo, um obstáculo ao pleno desenvolvimento da inteligência. E, por incrível que pareça, tratamos as crianças que vêm ao mundo sem o mínimo respeito pelos potenciais criadores de suas mentes quando as entulhamos com dogmas destinados a ressecar o intelecto com os venenos da culpa, do medo e da obediência cega.
Por uma educação atéia, secular, cosmopolita e pluralista! Mantenham vossos rosários e cruzes, vossas Torás e Corões, vossa santa Lavagem Cerebral e Doutrinação Amesquinhante, longe dos cérebros do futuro!
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