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quarta-feira, 16 de janeiro de 2013

Febre do Rato (de Cláudio Assis, 2012)

FEBRE DO RATO 
de Cláudio Assis

Download do filme completo:

Crítica por Marcelo Hessel @ Omelete

O Mangue Bit (ou Mangue Beat) faz 20 anos em 2012, se tomarmos o manifesto “Caranguejos com Cérebro” como seu ponto de partida, e não é só a trilha sonora de Jorge Du Peixe, líder da Nação Zumbi, que faz lembrar do movimento quando se assiste a Febre do Rato. Um dos versos mais conhecidos de Chico Science ecoa ao longo do filme de Cláudio Assis: “Que eu me organizando posso desorganizar”.

Recife é um mundo em desarranjo, sugere a narração em off inicial, e temos que aceitar isso como fato consumado para entrar no filme: estamos sobre um barco no meio do Rio Capibaribe e tudo o que nos é dado a ver da cidade são as palafitas na margem, os edifícios a média distância e o trânsito sobre as pontes. Não há pessoas, só fantasmas de uma ordem mal estabelecida, como os rostos num outdoor reutilizado como parede de barraco.

Dá pra antever, então, antes mesmo do primeiro nu frontal em cena, que Febre do Rato parte dos corpos para propor uma nova organização. Irandhir Santos (o deputado de Tropa de Elite 2) transita sem camisa e com calça a meio mastro por galpões, jardins e bares no papel de Zizo, um poeta que edita e imprime em casa o jornal-manifesto “Febre do Rato”. Quando não está discursando contra a desigualdade, Zizo escreve poemas para os amigos e come as mulheres de idade da vizinhança, tudo pelo social.

Descobrimos que Zizo não é só um tipo de xavecos e fodas solidárias quando ele se apaixona por Eneida (Nanda Costa), menina de bons estudos que resiste aos avanços do poeta. Assim como Eneias, o troiano do épico Eneida de Virgílio, que parte ao mar depois da destruição de Troia para procurar um lugar onde possa construir uma nova cidade, a perdição de Zizo, a destruição de seu orgulho, o motiva a construir uma nova ordem, acometida pela febre do rato, que tem o corpo como unidade de medida.

Cláudio Assis filma as transas e os movimentos dos corpos nus por cima, como se estivesse com Febre do Rato elaborando um guia de ruas - é a política dos corpos como uma questão de cartografia. Quando troca essa perspectiva radicalmente vertical pela horizontalidade, as relações “subversivas” do filme (o homem e o travesti, o homem e a velha, o homem e a estudante) acontecem diante da paisagem aberta, como se fosse uma sobreposição de camadas, o espaço público tornado íntimo. A cena da mijada é um ótimo exemplo disso: Zizo e Eneida no barco parecem alheios à festa junina rolando no plano do fundo, mas na sobreposição de camadas tudo se torna uma coisa só.

A provocação, a suruba, o pixo na parede, o corpo dividido em pedaços de xerox, tudo isso desorganiza para reorganizar. Obviamente, há uma ordem estabelecida que não se deixa substituir sem reagir. Até aqui, Febre do Rato se desenrolou no paralelo, numa espécie de paracidade (os barracos, os butecos, a praia, o rio sob a ponte), e é no clímax do filme que a Cidade se revela pela primeira vez, sua brutalidade sintetizada pela parada militar de 7 de Setembro pelas ruas do Recife Antigo. Não vou contar aqui o que acontece depois.

A questão é que não importa se o cenário é Recife, ou São Paulo, ou Porto Alegre. Há um estado de coisas inviável nas nossas metrópoles, pedindo para se reorganizar, e quem acha que nudez no cinema brasileiro é sinônimo de baixaria infelizmente não vai perceber que Febre do Rato toma uma posição política atual em nome da coletividade.

O cartaz de Amarelo Manga, o primeiro longa de Cláudio Assis, dizia em tom sensacionalista que “o ser humano é estômago e sexo”. Em Febre do Rato, o terceiro e melhor filme do diretor, o ser humano é estômago, sexo e algo mais.




Agradecimentos ao blog

Matéria + Entrevista @ Revista CULT:

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