
:: MILK - A VOZ DA IGUALDADE ::
de Gus Van Sant (2008)
É pra lá de comum que, para efeitos de classificação, a gente divida os filmes em dois grandes “universos” antagônicos e incomunicáveis: de um lado, o “Cinema Autoral de Arte”; de outro, o “Cinema de Entretenimento de Massas”. Esta divisão, um tanto simplória, é o que alguns diretores brilhantes conseguem problematizar, bagunçando os limiares, rejeitando os dogmas de cada “partido” e unindo, numa mesma obra, elementos de ambos os “domínios” (até que esta própria dicotomia seja explodida e pareça de um reducionismo crasso...).
Gus Van Sant, por exemplo, é um destes versáteis cineastas que passeiam com desenvoltura por estes extremos do espectro. Às vezes solta obras tipicamente "róliudianas", adoradas pelas multidões e arroz-de-festa nas grandes premiações – é o caso de obras como Gênio Indomável e Encontrando Forrester. Outras vezes, soa como um artista independente e descompromissado com o comercialismo, que dedica-se a experimentos vanguardísticos extremos (como fez nos longos planos-sequência de Elefante ou na narrativa arrastada e desoladora de Last Days - Os Últimos Dias de Kurt Cobain).
Van Sant parece ser um dos poucos autores do cinema de hoje capaz de marcar presença, ainda que de modo intercalado, tanto nos “festejos hype” como o Oscar (Milk, por exemplo, foi indicado a 8 prêmios em 2008, inclusive melhor filme, diretor e ator), quanto no ambiente bem mais “cult” de Cannes (como ocorreu com a Palma de Ouro vencida por Elefante). Seu novo filme, Milk, novamente traz essa frutífera mescla entre um cinema autoral e um espetáculo fílmico orquestrado para a emoção e edificação das multidões.

Mais do que a própria vida de Harvey Milk, o que parece importar para Van Sant é todo o “Quadro Cultural” que o circunda nesta Frisco pós-hippie que colhe os frutos de Woodstock e da Revolução Sexual: um ambiente de libertação progressiva que Milk protagoniza como um líder, um guia e um mártir dos homossexuais militantes. O grande destaques do filme vai para a organização política em busca de reconhecimento social e direitos igualitários – e é nisso que a narrativa centra fogo: bastidores partidários, panfletagem e propaganda, passeatas de protesto, discursos ao megafone, combates com a polícia, batalhas jurídicas contra leis discriminatórias. Enfim: toda a difícil esgrima política necessária para a obtenção de direitos civis democráticos.

Nada de cenas de erotismo excessivo, já que este certamente não é um filme voltado para o público gay, mas sim dirigido à “educação histórica” de um público de massa que, em sua maioria, desconhece esta notável história de batalha por direitos civis. Milk enxerga a sexualidade à la Foucault: como uma questão tão política quanto pessoal, que diz respeito ao coletivo tanto quanto ao indivíduo, e que causa muitos conflitos e desencontros na arena pública (tendo estado, desde sempre, em todo o caminhar da humanidade, envolta em polêmica e repressão, tanto como ação quanto como discurso).

Nada de cenas de erotismo excessivo, já que este certamente não é um filme voltado para o público gay, mas sim dirigido à “educação histórica” de um público de massa que, em sua maioria, desconhece esta notável história de batalha por direitos civis. Milk enxerga a sexualidade à la Foucault: como uma questão tão política quanto pessoal, que diz respeito ao coletivo tanto quanto ao indivíduo, e que causa muitos conflitos e desencontros na arena pública (tendo estado, desde sempre, em todo o caminhar da humanidade, envolta em polêmica e repressão, tanto como ação quanto como discurso).
Milk é mais um sintoma claro do que hoje temos como óbvio, até mesmo subestimando o imenso valor desta conquista: o fato de que depois da "revolução sexual" dos anos 1960 a sexualidade tornou-se algo discutido de modo cada vez mais aberto, franco e menos moralista. E Gus Van Sant, cineasta homossexual assumido, prefere o retrato ao julgamento e atinge com serenidade uma narrativa que, ao menos num primeiro olhar, parece completamente desinteressado em dar “lições de moral” ou distinguir o “certo” do “errado”. Porém o espectador atento fica inevitavelmente com a impressão de que a intenção fundamental por trás de Milk era esta: a geração de um herói. Missão cumprida. Pois, pelo esforço conjunto de Van Sant e da atuação muito convincente de Sean Penn, Harvey Milk é descrito como um ícone tão digno de admiração quanto foram, por exemplo, um Martin Luther King ou um Malcolm X para a causa negra ou uma Camille Paglia ou Maya Angelou para a causa feminista.

O verdadeiro Harvey Milk:
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