por Du Pitomba
Alguns críticos de cinema, tateando no quarto escuro de suas idéias, tentaram entender o que se atinava no desfecho da década de setenta, quando o público começava a sorver drinks infantilóides em roupagens de superproduções como “Guerra nas Estrelas”. Arriscaram o diagnóstico: a sessão das obras de certos cineastas, então no auge de suas pesquisas de prosadores visuais, davam a mesma sensação de incômodo que aftas pululando o céu da boca. Estavam exigindo demais da plebe consumidora dos sonhos em tela larga.
Robert Altman em representação de um artista no DevianArt |
Entre os participantes dessa maçonaria amarga está Robert Altman, dono de rebanho indócil de obras. E, estourando todas as cercas possíveis, encontra-se o insolente “O Perigoso Adeus” (1973), que muita gente na época viu e escreveu no mármore como se fosse apenas uma gozação do noir. Pode-se dizer que é um filme sobre a impossibilidade de se orquestrar a atmosfera noir ante a vulgaridade setentista.
A única coisa levemente preservada por Altman é o núcleo base de personagens desse tipo de universo: detetive e mulher ambígua. Phillip Marlowe (Elliot Gould) dá carona para amigo suspeito e nisso se enrosca com o departamento policial e o submundo do crime. Toda a longa sequência que vai da abordagem até o pagamento de sua fiança é um verdadeiro show de horrores que apequena uma figura mítica não só do catálogo do cinema americano como da livre empresa cosmopolita e possivelmente charmosa: o detetive particular. Charme é a última coisa a se pensar, tendo em vista o total descaso com a personagem. Cai no chão sem ter tragado nada; fica com a cara suja de tinta da impressão digital e divide a cela com marginal segurando rolo de papel higiênico.
Atentando para a facilidade sanguínea de Altman em esculpir vidas bizarras, às vezes ficamos pensando como seria se encarasse seriamente o noir. Mas como grande diretor que é, consegue escancarar ainda mais as estranhezas na válvula do humor. Starling Hayden barbudo e de voz trovejante, atira toda a desordem mental de médico que passa por um recall numa clínica pra lá de suspeita. Sobra também para figuras secundárias, no caso, quase terciárias: as vizinhas de condomínio de Gould, moças praticantes do budismo mesclado em topless. Como nos anos setenta já não há mais espaço para fêmeas colossais em quilos de laquê a lá Veronica Lake, contenta-se com pós-gencianas vendedoras de incenso e velas, preocupadas mais com o sexo dos anjos do que o sexo terrestre.
A canção-tema “The Long Goodbye”, composta por um dos mais habilidosos cirurgiões de Standards, Jhonny Mercer, é praticamente chutada de lado a outro, aceitando outras texturas rítmicas, como a versão instrumental de cucaracha. Esse deslocamento sonoro serve para Altman rasgar um dos mais sadios cartões de visitas das trilhas do passado, que era abrilhantar semi-deuses vistos em cenários que comportavam cigarros intermináveis e cadáveres mentais. O pianista-emblema está cantando para si mesmo, portando-se como eterno animador e regente de calouros que faz bico em TV. Sinal dos tempos.
Interessante, procurarei...
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