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quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

:: Terra e Liberdade (Land and Freedom, Ken Loach, 1995) ::


Há câmeras que não temem se afundar na lama. Que sobem montanhas, que se metem em desertos, que acompanham guerrilheiros em árduas jornadas. Há câmeras que não se escondem das balas e que enfrentam o perigo fatal na conquista de imagens tão vívidas quanto a vida.

A câmera de Ken Loach em Terra e Liberdade é assim: daquelas que se enfia no meio do torvelinho e do tumulto, como se quisesse pôr o espectador no epicentro pulsante de uma complexa guerra sem medo de ferir as lentes.

Espanha, 1936. Um governo democraticamente eleito é derrubado por um golpe militar chefiado por Franco, que ameaça transformar o solo espanhol em mais um antro do fascismo. Nuvens nubladas já começam a fechar-se sobre a Europa com a ascensão de Hitler e Mussolini e a perspectiva de um grotesco e gigantesco combate se acerca. É em meio aos turbilhões da Guerra Civil Espanhola (1936-1939) que Loach irá descender com sua câmera de olhar lúcido, dinâmico, realista. O testemunho que nos deixou é memorável.

Land and Freedom celebra a união camponesa e proletária no combate contra o ascendente fascismo, mas não celebra nenhuma das ilusões idealistas que alguns dos guerreiros anti-Franco nutriam. O filme é mais uma crônica dolorida de uma digna derrota do que o canto louvatório de um triunfo.

Ken Loach
Os mártires que mancham de sangue o chão espanhol são as figuras em que Loach foca sua câmera tão urgente e premente. Que aptidão têm o cinema britânico, aliás, para a ficção política semi-documental altamente verossimilhante! Em Mike Leigh e Paul Greengrass temos dois outros excelentes exemplares deste talento da inglesada pró-proleta para transportar a vida real para a película com uma vividez tão impactante quanto uma série de socos.

Uma das mais louváveis qualidades do filme de Loach é que ele evita o esquematismo, o simplismo, o maniqueísmo, a simplificação. O fascismo é o inimigo evidente, devidamente demonizado e combatido, decerto. Mas a oposição a ele não é descrita como coerente e harmoniosa. Terra e Liberdade escancara as cisões internas entre as diferentes facções, partidos e milícias que gostariam de ver Franco destroçado e a democracia restabelecida.

Assembléias improvisadas, repletas de ardentes trocas de argumentos, dão o tom. Rasgos se dão entre trostskistas, stalinistas e outros "istas". A necessária unificação da frente de combate aos franquistas não se constitui como deveria, e o que resta na boca é um sabor agridoce, de açúcar com cinzas...

Esta é uma obra-de-arte com potencial que contagiar seu receptor com as delícias da indignação, capaz de empurrá-lo para a árdua luta por quaisquer das causas anti-autoritárias e anti-fascistas. Mas é também uma obra que desilude, que expõe chagas, que retrata o caminho polvilhado de lágrimas.

Terra e Liberdade não mente que tudo serão rosas nos amanhãs cantantes.

Mas nos solicita a consciência e o afeto para que não quedemos indiferentes às lutas e às mortes de todos aqueles que tombaram em sua heróica e trágica tentativa de fabricar, aqui e agora, os amanhãs que cantam.



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