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terça-feira, 1 de março de 2011

<<< Manuel Bandeira em... O Poeta do Castelo (Joaquim Pedro de Andrade, 1959, doc, 10') >>>


            Por João Moreira Salles

Como um filme tão simples consegue ser tão tocante? Suponho que cada amante de O Poeta do Castelo encontra as suas razões. De modo geral, à margem de qualquer digressão, bastaria dizer que o filme é intransitivamente belo, assim como uma árvore ou certos prédios. Pessoalmente, duas coisas me fazem gostar tanto desse filme. Em primeiro lugar, a fé que demonstra na beleza sempre discreta dos pequenos gestos do dia-a-dia. Como um pintor holandês, Joaquim Pedro tem grande carinho pelo cotidiano. Garrafas, telefone, coador - cada objeto recebe atenção, o que não deixa de ser um juízo ético: nada, nem mesmo uma garrafa de leite vazia, merece desinteresse. O cuidado com que Bandeira busca sua xícara, guardad dentro de uma queijeira de vidro como se fosse um objeto precioso, é comovente porque revela exatamente isto: desvelo.

A segunda razão é o fato de esse cotidiano prosaico pertencer a um poeta como Bandeira. Há uma adequação absoluta nesse par. Um filme dessa natureza não serviria a um poeta de vida exaltada como Oswald de Andrade - seria falso -, nem muito menos a um poeta parnasiano, de palavras buscadas e cosntruções preciosas. Mas para Bandeira é perfeito. Bandeira foi um dos poetas que trouxeram a poesia para perto, inspirando-se nas moças do sabonete Araxá, nas manchetes dos jornais e no porquinho-da-Índia que ganhou de presente quando era criança. O mundo das coisas simples é o mundo em que ele se sente melhor. É o seu mundo correto.

Em determinado momento, Bandeira pega um dicionário e o consulta. É uma boa cena, um pequeno comentário sobre o poeta. A poesia não brota espontânea em seu espírito. Exige trabalho e esforço. (...) O poeta, como qualquer um, trabalha. Na aceitação de uma lida cotidiana sem alarde, Bandeira é um homem como outros.

(...) No final de O Poeta do Castelo, Bandeira sai para a rua e caminha pela avenida Presidente Wilson, no bairro do Castelo, em direção à Academia Brasileira de Letras. Sua voz em off recita "Vou-me Embora para Pasárgada". À medida que avança, o Rio de Janeiro da década de 50 corre pela tela. A elegência quieta do passeio, o brio dos prédios, a sombra confortável das grandes amendoeiras, o modesnismo de Le Corbusier e de Lucio Costa logo adiante, tudo sugere que no Rio já se planejou uma civilização - ou pelo menos foi assim que pensei quando assisti ao documentário pela primeira vez, no início da década de 90. Aos meus olhos, aquela cidade que não conheci parecia caber na utopia que o poeta recitava.

Ilha Deserta. Publifolha. p. 166-168.

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