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quarta-feira, 16 de março de 2011

Os Maduros (I Fidanzati, de Ermanno Olmi, ITA, 1963)

       
   Por Du Pitomba

     No auge do mata-mata pela partilha do frete do que seria o chamado cinema moderno, teóricos dos mais variados prazos de validade lançaram mãos, pés e cotovelos pelas adivinhações afora. O poeta  e decorador de neuroses em tela larga Pier Paolo Pasolini legou em livro a terminologia “Cinema de prosa” e “Cinema de poesia”, sendo o último poético por tratar-se da modalidade que melhor enamora-se de intervenções agressivas no ato da filmagem. Quem diria que Pasolini seria desmentido em solo pátrio! Como todo bom soco, este viria de terreno inesperado. O golpeador estético peso-pesado chama-se Ermanno Olmi, e a luva cromada atende por “Os Maduros”, de 1963. Filia-se num tipo de filme que corre sem olhar para traz quando ouve palavras como alegoria ou barroco.

Os críticos e historiadores não deixam os artistas em paz. Na sua ânsia maníaca em agrupa-los em várias frentes, tentam sempre patentear alvarás aos quatro cantos. Ermanno Olmi não tem nada a ver com o Cinema Novo italiano, não se vale do sambódromo mental de Bertolucci, Bellochio, Ferreri, etc. Seu longa anterior, “O Rosto”, pode-se dizer que raspava na parede da expectativa, apresentando um final simbólico e forte. Aqui a historieta do metalúrgico (Carlo Cabrini) que adquire transferência de firma tenta equilibrar-se em fios de barbante. Olmi economiza até na amostragem da grande musa dos diretores modernosos, a memória. A cachoeira das lembranças tem a discrição de um chofer de família tradicional.

Isso não quer dizer que sua ferrramenta de trabalho esteja na idade da pedra lascada, muito pelo contrário. E isto pode ser averiguado justamente na hora das recordações, diretas ou indiretas. A cena que mescla a decisão em deixar o pai idoso em clínica de repouso com a do último abraço na noiva (Anna Canzi), tem o corte e costura que só uma pocket câmera das mais avançadas pode modelar. Está armada uma tapeçaria de focos de pequenos esbarros. A euforia do carnaval de rua dos vilarejos italianos encontra a companheira de toda uma vida de maleabilidade deste aparelho portátil. Olmi é um observador que quebra o camarote e enxerga seus atores com proximidade vantajosa. Mas sem as firulas neuróticas de seus contemporâneos, que em algumas obras mais parecem cirurgiões plásticos vesgos. É só encarar as deformidades e patinações estruturais de, por exemplo “Gaviões e Passarinhos” (1966) de Pasolini e “Partner” (1968) de Bertolucci. São verdadeiras tijoladas infantis no andamento conquistado. Um bolsão de divãs de aluguel.


Ermanno Olmi, cineasta italiano
Vamos deixar outra coisa clara: Olmi não é parente sanguíneo do universo de pequenas agulhadas morais do francês Eric Rohmer. A fina estampa da acupuntura verbal de Rohmer não interessa para o italiano, preferindo filmar os lugares que ainda serão ocupados ou que já se esgotaram das pegadas humanas. E capaz de deixar seus viventes por horas e horas sem fala. Dá-se a impressão que ele não espera muito de nosso rastro na Terra. Os tipos Rohmerianos são untados pelas bulas dos enciclopedistas do século dezoito, ao mesmo tempo reservados e espirituosos. Não que Rohmer trace grande fé na raça humana, mas, pelo menos, afaga certa perspectiva nos encontros e desencontros. No frigir dos ovos, Olmi só consegue ser “Ermanno” de si mesmo.

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