"Por três métodos nós adquirimos sabedoria: primeiro, pela reflexão, que é o mais nobre; segundo, pela imitação, que é o mais fácil; e terceiro, pela experiência, que é o mais amargo." (Confúcio) Bela epígrafe para um excelente documentário: Up The Yangtze (2007), de Yung Chang, premiado filme que traz um vívido panorama da terra de Confúcio no pós-Mao, ou seja, na era de um capitalismo de Estado de alta eficácia produtiva que tem se aventurado em algumas das obras mais espetacularmente grandiosas em curso hoje no planeta Terra --- como a Hidrelética Das Três Gargantas (ou Represa Three Gorges).
Na China, o maior projeto hidrelétrico da história do planeta Terra exigiu que cidades inteiras fossem evacuadas para serem literalmente afogadas debaixo de toneladas de água. Entre 1 milhão e 300 mil e 2 milhões de pessoas (as estatísticas variam...) tiveram que ser "realocadas", termo bastante polido para descrever que foram obrigadas a deixar seus antigos lares para que a represa fosse construída. Novas Atlântidas, abandonadas pelos humanos, nasceram. Imagine o Crand Canyon sendo invadido por uma enxurrada quase bíblica. Mais ou menos por aí. Famílias de camponeses e pequenos produtores tiveram migrar para outros cantos, especialmente para as grandes cidades, para abrir espaço para uma das obras mais "faraônicas" do chamado "milagre econômico chinês". Os simples se consolam dizendo que o fazem "sacrificando a pequena família em nome da grande".
Vale lembrar que o terremoto de 2008, que matou cerca de 80 mil pessoas, pode ter sido o primeiro abalo sísmico na história humana a ser causado... por humanos. A construção de uma represa em Sichuan teria sido o fator gerador da imensa tragédia, como explica a Folha Ciência. "Fan Xiao, engenheiro-chefe do Serviço de Mineração e Geologia de Sichuan, defende que as 315 milhões de toneladas de água que foram represadas interferiram na atividade sísmica da região, que já é grande." Isto é um sintoma claro do que Zizek chama de a "entrada" do homo sapiens em sua "era geológica", ou seja, um tempo histórico em que somos capazes de influir tão profundamente sobre a "Natureza" a ponto de causar catástrofes inauditas...
Enquanto as cidades eram evacuadas à força (e às pressas) para a construção da "Três Gargantas", luxuosos barcos navegam pelo lendário rio Yangtze levando turistas cheios da grana, muitas vezes ingleses e americanos, como o documentário retrata (não sem ironia e amargura). Estes gringos bufunfados estão ali para conhecer lugares que desaparecerão debaixo da água --- são as "farewell tours" que tanto "amusement" trazem às dondocas e playboys do Ocidente, felizes também por verem as luzes coloridas da discòteque e as batidas tecno-poperô invadirem Pequim...
Como conta uma piada chinesa, a China, depois de ter chegado à encruzilhada "capitalismo ou socialismo", vendo-se na necessidade de escolher um dos caminhos, deu uma piscadela para o empresário estadunidense que lhe acompanhava no banco de trás da limusine e disse: "vamos juntos para a direita, meu caro, rumo ao capitalismo, mas vamos deixar a seta ligada pra esquerda, piscando o tempo todo, como se estivéssemos indo para o socialismo!" É só uma piada, mas será mesmo só isso?
Up the Yangtze: baixem (legendado em inglês) e assistam! É a China atual fotografada com a perspicácia e a profundeza que tem sido mérito recorrente de quase tudo lançado pela Zeitgeist Films.
[+] Slavoj Zizek e o capitalismo autoritário chinês
[+] Info detalhada no press kit do doc
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